Da nebulosidade inicial, o Homem limpa os olhos, descobre o silêncio, caminha para o dia em direção à luz. O sagrado não se oculta, está em si, nele, no Homem, à procura da claridade que decorre por entre as mãos.
Do obscuro saber, o mito esmaga a exterioridade, leva o Homem à viagem interior, onde as cores revelam a presença do sagrado que se esmagam no encontro da sensibilidade, no ventre.
Da coisificação absurda, rodeante, o Homem projeta no universo, na tela, a desordem onírica, que espera, necessita, do olho, da água, da lágrima que dá ordem, sentido.
Na inquietude individual, o artista, o pintor, olha o mito, agarra a cabeça, mergulha nas cores, limpa os olhos, desvela a vida.
A Vida...

sexta-feira, 2 de outubro de 2015


O barulho da cidade aumenta-me o volume da idade. Faz-me disparatar as palavras que caem ritmadas com o pranto das árvores.
É este o retrato do outono que o pincel teima em pintar fecundando até ao núcleo dos meus olhos.
Emerge subitamente um banco cinza frio e nele deposito o meu corpo sentado.
Encerram-se as pálpebras, mas o olhar estende-se até à outra margem. 
Surrealmente vêm-me ao pensamento Herberto e Freud.
Uma formiga traz-me de volta à realidade, mas antecipadamente sinto um rio a tecer-se na pele e a desaguar no teu corpo de fogo, num espasmo.

Sílvia Mota Lopes